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NA TRILHA DA HISTÓRIA
Tudo começou com a destruição de uma gigante floresta...
O que acontece hoje na Amazonia foi feito no passado aqui
Publicado em 14/06/2022 às 09:46 Ítalo
Tudo começou com a destruição de uma gigante floresta...

Primeiro foi o bater ritmado dos machados e o farfalhar das afiadas foices, abrindo aquele talhão de chão no centro de uma floresta que começava a ser, aos poucos, dizimada para dar lugar a um espaço a ser habitado por quem sonhava começar uma vida nova. Colocando todo o verde que existia abaixo, surgiu aquele clarão imenso.

Agora seria a vez de botar fogo em tudo o que havia restado. Galhos secos e retorcidos, onde antes havia ninhos de pássaros. A imensa coberta felpuda de folhas secas e barulhentas, agora escuras e murchas. E até mesmo troncos robustos de madeira considerada barata no mercado. Só foram retiradas as toras de perobas, estas sim, preciosas para o feitio de móveis e construções.

Uma armada de homens, espalhados por todos os lados, em filas formando grandes quadriláteros, com archotes em punho iam espalhando chamas ardentes e vermelhas, que subiam rugindo aos céus. Colunas gigantes de fumaça cinza e negra, cheirando madeira verde e soltando estalos e gases tóxicos, pareciam furacões rodopiando no céu azul.

Essa operação se repetiu ao longo dos meses para “limpar a área” reservada aos primeiros bairros de Umuarama, num raio de mais de um quilômetro ao redor daquele que consideramos o marco zero (seria mesmo?) do princípio da obra de urbanização, a parada das “jardineiras”, atual Praça Arthur Thomas.

As corpulentas árvores, a maioria com séculos de vida numa paisagem tropical antes nunca tocada pela devastadora mão humana (?), deram lugar a outro cenário, este esquálido e de cores fúnebres. Sob um forte sol amarelo, podia se notar o contraste da luz intensa com os macabros restos mortais da flora. Tocos e galhos maiores pretos, carbonizados, semi-cobertos pelo pó branco das cinzas, uma imensa e fétida cobertura de rescaldo, que mudava de lugar a todo instante conforme a vontade dos ventos.

Quando vieram as chuvas, aquela terra arrasada misturada às cinzas virou um brejo sem precedentes nas partes mais baixas da geografia daquele vilarejo que estava prestes a nascer. Na sequência, começou a brotar aquele capinzal, formando um matagal horroroso de milhares de metros quadrados, por onde passeavam serpentes e todo tipo de outros peçonhentos desprezíveis e perigosos.

No meio de toda aquela capoeira começou a brotar as primeiras casinhas, uma aqui, outra acolá. E, entre elas, aquele verde daninho que crescia viçoso. Roçar ou carpir essa porcaria toda ficava a cargo de cada um que comprasse o terreno, limpando o espaço para erguer a sua morada.

Dividindo o território em quarteirões estavam as ruas e avenidas há pouco abertas, com tratores e motoniveladoras da colonizadora Companhia Melhoramentos. Só assim, no meio da quiçaça brutal, era possível encontrar o lote comprado. Parecia uma oceânica pastagem nos lugares mais distantes do “centro”, digo, primeiro ponto de chegada de ônibus.

Mas esse caos reservava algumas cenas pitorescas, como a das codornas, de surpresa, decolar voando em disparada ao ouvir qualquer menor barulho.

Vasculhando entre o capim alto era possível encontrar os ninhos delas. Assim também era comum descobrir cascavéis enroladas e chacoalhando o guizo em ritmo de samba...

Como algumas espécies daqueles capins produziam sementes saborosas, formavam-se nuvens de passarinhos, como os pardais vira-latas que se penduravam arcando os galhinhos verdes. Nesses capinzais os moleques malvados (e até marmanjos safados que caçavam pássaros para vendê-los) instalavam alçapões e arapucas. Infância como aquela vivida na antiga Umuarama, eu aposto alto, a criançada de hoje não vive e nem imaginará jamais como era saudável a liberdade de brincar num mundo novo que estava surgindo.

Era impagável ver o pôr-do-sol, vermelho cor de sangue em meio a nuvens azuis escuras, e a gente lá no meio daquele imenso nada que para nós, pequenos infantes, era tudo.

Nessa hora, entrava em ação aquela filarmônica animal: grilos, verdadeiros exércitos de milhões de grilos, azucrinando no meio daquele silêncio sepulcral de uma vila encantada e ainda sem poluição sonora, dessas que hoje só existem nas páginas daquelas belas fábulas infantis da Idade Média.

Em comum acordo no script daquele espetáculo grandioso, nas baixadas beirando os córregos, outra turma mandava ver na música: os sapos coaxando, fazendo eco nas matas vizinhas. A gente se divertia e, na nossa inocência, imaginava que naquele coral havia tenores, barítonos e seresteiros de outros dotes artísticos equivalentes. Um desses era digno de parar para ouvir: seu coaxar lembrava exatamente o som de um ferreiro batendo com uma marreta numa bigorna.

Os capiaus mais velhos e experientes diziam que eram os sapos-ferreiros. É, tudo a ver... e a ouvir! Agora, pavor, diria ‘cagaço’ mesmo, era ouvir no começo da noite o rugido de onças ou o guinchar de javalis e porcos do mato, bichos comuns naquela época.

Ah, quando isso ocorria não ficava um, meu irmão. A garotada toda sumia em disparada pra casa. E nada de contar para o papai ou a mamãe, porque era bronca na certa, afinal, todo pirralho recebia conselhos a toda hora para não se afastar de casa à tardinha ou ao anoitecer.

Enquanto os mais velhos trabalhavam de sol a sol erguendo casas e construindo de tudo o mais, pelo menos a criançada tinha um parque infantil do tamanho do mundo. Até mesmo quando chovia era motivo para algazarras. Aquelas ruas, inclusive a própria Avenida Paraná, viravam cenário para marinheiros e navegantes mirins. As poças, algumas tão grandes que pareciam lagoas, eram ótimas para brincar de barquinho.

Feitos de jornal ou de papelão, era uma festa simular guerras nos mares... E não havia frescura de nojo ou medo de se sujar de barro. Claro, a chegada em casa é que era a parte complicada de todas essas aventuras, pois dona-de-casa nenhuma ficava feliz ao ver seu pimpolho parecendo um porquinho e com a roupa encharcada de lama.

Afinal, coitadas das mães, eram elas que iam para o tanque para lavar a roupa suja. Como castigo, sempre sobrava um ardido e dolorido puxão de orelha ou ficar com a bunda inchada depois de algumas cintadas bem aplicadas (e merecidas).

Mas aquela alegria de se esbaldar nos dias de chuva era algo impagável, ninguém aprendia e fazia tudo outra vez, exatamente igual. E os pais, idem...

Mas, no final das contas, apesar das adversidades daqueles anos primitivos, a gente sabia que era feliz. Todo mundo era mais feliz do que hoje, pois tinha certeza de que estava sendo personagem de uma grande História que estava apenas começando.

Agora, tanto tempo depois, é que a gente tem ainda mais certeza disso... E isso, putz!, dá uma tremenda saudade! (ITALO FÁBIO CASCIOLA)

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