Trilha Da Historia
O espetáculo épico da afinada orquestra dos carpinteiros
Ainda não estava finda a primeira metade da década de 1950, em pleno alvorecer da criação da nova e última fronteira agrícola paranaense, e começava a ser erguida a pequena vila.
Friso ‘vila’ de uma forma carinhosa, bairrista ao máximo, pois era assim que a gente dizia do pequeno lugar aonde vivíamos. E, cá entre nós, Umuarama era pequenina mesmo ainda... Ainda pertencia à sede Cruzeiro do Oeste, ela município e nós ainda patinando como distrito. (Hoje nem eles acreditam que foram astronomicamente superados!)
Num imenso clarão aberto no coração da floresta, casas iam surgindo uma a uma, numa rapidez incrível, pontuando de cores aquele traçado urbano em formato de mesa de xadrez. Umas avermelhadas, outras alaranjadas, vistosas tintas típicas da madeira de peroba, encontrada aos montes nas dezenas de serrarias já em ferozes atividades beneficiando a madeira extraída do próprio território.
É óbvio dizer que a profissão mais solicitada, porém não muito rendosa, era a de carpinteiro. Levas e levas de trabalhadores, com tarimba na construção de casas de madeira, chegavam todos os dias, pois sabiam que onde nascia uma nova cidade havia trabalho de sobra.
Médicos, professores, advogados e profissionais de outros ofícios ainda eram raros, mas quem sabia levantar moradias e fabricar móveis tinha ocupação garantida nessa tarefa gigante que estava apenas começando...
Havia todo tipo de serviços: construir casas, prédios comerciais, lojas, escritórios, escolas, igrejas, enfim, tudo ainda estava por ser feito. E essa empreitada prometia durar pelo menos cinco anos consecutivos nesse ritmo frenético, afinal ainda nem se falava nas construções com tijolos e cimento, a alvenaria.
Essa fase, mesmo que timidamente, só veio a acontecer a partir de 1960, com pouquíssimas casas ou edificações comerciais. Dava para contá-las nos dedos.
Vista do alto, a pequena Umuarama nos primeiros anos ia se cobrindo quase que absolutamente por casinhas de peroba, todas rodeadas por cercas de tábuas de no máximo 1,5 metro (balaústres), mais por enfeite do que por proteção. Nem era preciso abrir o portão, bastava pular a cerca, para entrar em casa. Mas como não existia violência nem roubalheira, com exceção de alguns malandros que roubavam roupas dos varais ou galinhas dos quintais, não havia necessidade de se erguer uma paliçada...
Meninas e meninos que estão lendo estas minhas crônicas agora, vocês nem vão acreditar: a gente podia dormir de janelas abertas nas noites quentes de verão!!!
Aquela legião de carpinteiros faz jus a todas as bênçãos pelo seu laborioso e sacrificado trabalho que dedicaram na construção de Umuarama de ontem, aquela que se você percorrer a cidade hoje não a encontra mais (de tão grande e moderna que ficou).
Apesar de que o tempo parecia passar devagar naquela época, havia pressa para colocar a nova cidade em pé. E essa brava gente acordava quando ainda estava escuro, seguindo para o serviço duro que os aguardava. Quando começava a surgir o sol no horizonte, já estava nas obras.
Naqueles fulgurosos anos, a população acordava ao som daquela afinada orquestra de carpinteiros, espalhados por todos os quarteirões.
Pá-pá-pá, tocavam os martelos nas cabeças dos pregos... Roc-roc-roc respondiam os serrotes cortando tábuas. Essa sinfonia era habitual aos nossos ouvidos e durava o dia inteiro. Nem mesmo nos fins de semana a carpintaria tinha folga.
Valia tudo: sábados, domingos e feriados. Só escapavam os dias especiais, como Nossa Senhora Aparecida, Natal, Ano Novo, 7 de Setembro, 26 de Junho...
Com tanta coisa para ser construída, não havia espaço para folgança nem preguiça. A maioria desses trabalhadores laborava por conta própria e, quanto mais produzissem, mais ganhavam. Mesmo se fossem empregados de alguém, nada mudaria a situação, pois por aqui poucos conheciam de leis trabalhistas. Então, a ordem era mãos à obra!
Para este repórter como para uma grande parte dos leitores que agora acompanha estas linhas, na época crianças como eu, era um espetáculo digno de ser guardado na memória. Todo este lugar era um tremendo canteiro de obras e a paisagem, vista de longe, causava a impressão de se estar montando uma imensa maquete com palitos de fósforos.
Eram os esqueletos das casas, levantados primeiro, que os carpinteiros depois iam revestindo de paredes com tábuas unidas umas às outras por mata-juntas. Ficavam abertos apenas aqueles espaços onde seriam instaladas as janelas e as portas. Em cima, para sustentar o telhado, um trançado de vigas e tábuas.
Curioso: atualmente, todos se incomodam com barulhos por menores que sejam. Desde uma buzina até o tocar de uma campainha deixa todo mundo irritado. Em meus dias da infância, era o rufar furioso da orquestra dos carpinteiros, aqui e acolá. E, incrível, a gente não sentia a mínima irritação.
Ao contrário, quando eu voltava da escola, ficava a admirar aqueles mestres andando de um lado para outro sob as finas paredes de madeira e caminhando apressados pelas vigas. Nunca vi cair ninguém. Para relaxar, assobiavam até. Havia outros, que se alegravam cantando as modas mineiras daqueles caipiras lá das Geraes, terra natal da maioria dos que habitavam Umuarama naquele começo da história da cidade.
Cheguei a ver um carpinteiro atirando a outro, com a maior naturalidade, uma moringa cheia de água. O outro, tranquilamente a catava no ar, enchia o seu canecão e a devolvia com a mesma agilidade acrobática. Cena inesquecível. Um show! Ah, infância feliz a minha!
Vivenciamos cenas incríveis protagonizadas por esses artesãos (ou artistas?) na execução de uma edificação, principalmente quando estavam montando os telhados. Com incrível destreza, pulavam de viga em viga e usavam o martelo com uma fantástica experiência que valia parar para admirar. E mede daqui, mede de lá, para tudo ficar devidamente seguro nos seus devidos lugares.
Como ainda não haviam aquelas serras circulares móveis, tudo era feito manualmente com o serrote. Chamava atenção ainda ver a agilidade com que manuseavam os martelos, com a mobilidade de quem dirige marionetes. Batiam nas cabeças dos pregos com muita velocidade e mira certeira. A pancada era absolutamente precisa e forte. E peroba não é madeira mole, não!
Carpinteiro de verdade era aquele que não entortava pregos e nem rachava madeiras...
Como aquelas casas não eram de alvenaria, portanto não tinham lajes abaixo dos telhados, os carpinteiros faziam forros de tábuas finas, que serviam como proteção para o inverno. Casa sem forração era realmente algo desaconselhável, pois as brechas que ficavam entre as paredes e o telhado davam entrada ao vento e, vento no tempo de constantes geadas, era um castigo terrível.
Para que vocês tenham uma idéia de que estamos nos referindo a uma época em que se vivia em paz e podia se dormir o sono dos anjos com a cabeça nas nuvens, vale citar que os carpinteiros nem instalavam fechaduras nas portas. Para abrir uma porta ou uma janela, bastava virar uma tramela (um pedacinho de madeira com um prego ao meio que girava), uma peça simples e que não oferecia a menor resistência em caso de arrombamento. E, mesmo com lares tão vulneráveis, ninguém entrava na casa dos outros sem ser convidado... Maravilhosos tempos esses, hein?!
Um outro detalhe que era imprescindível e que carpinteiro nenhum poderia esquecer: instalar duas hastes, ligando as duas extremidades do telhado da casa com um fio-antena para ser conectado no aparelho de rádio, instalado num pedestal na sala da residência. Estávamos em plena era de ouro do rádio e todos tinham um, aclamado como a diversão preferida da família inteira.
Mas, como em toda cidade que nasce há, se deseje ou não, os mais abastados e com poder aquisitivo maior – afinal, assim funciona uma democracia num regime capitalista -, é claro que a primeira grande mansão fora construída para um ‘manda-chuva’.
A mais bela residência da primeira fase da construção civil de Umuarama, no período da madeira foi, sem dúvidas, aquela construída pela própria Companhia Melhoramentos. E quem viveu nela? O gerente da colonizadora, claro! Estava situada ali na esquina das Avenidas Maringá com Apucarana... Mas essa e outras estórias contaremos aos poucos, uma a uma, no compasso de um conta-gotas! Vale saborear cada pingo de história que virão nos próximos livros que dedicarei a Umuarama, afinal, somos mãe e filho e crescemos e envelhecemos juntos! (ITALO FÁBIO CASCIOLA)