NA TRILHA DA HISTÓRIA (1)
Destruíram as matas para fundar Umuarama
Já tive o infortúnio de ler alguns escritos em que dissimulados, a serviço da antiga indústria madeireira e até parentes daqueles que trabalharam nessa ação monumental que destruiu a cobertura verde desta região, tentam anistiar de qualquer culpa os antepassados que atuaram direta ou indiretamente na devastação das florestas, em particular quando se trata de fatos umbilicalmente ligados à história deste nosso rincão noroestino, aberto a machado e fogo no século passado.
Um dos argumentos que não se sustenta é que a ignorância predominava entre os iletrados operários braçais que trabalhavam no corte dos milhões de árvores varridas deste território paranaense, alegando-se que não existia “consciência ecológica”.
E vão mais além, na justificativa esfarrapada que chega ao disparate de dizer que não existiam leis de proteção ao meio ambiente no período do desmatamento, ou seja, nas décadas de 50 e 60.
‘Peraí’... Aí já é ultrapassar o limite da racionalidade, pois na época, tanto as colonizadoras quanto a indústria madeireira e os proprietários de terras, ao fechar qualquer tipo de venda ou compra, tanto de lotes rurais como de madeiras, eram alertados sobre a legislação existente. Eu disse legislação, ou seja, lei!
Faço referência ao primeiro Código Florestal Brasileiro, instituído através do Decreto 23.793/34, de 23 de janeiro de 1934. Ou seja, essa lei já existia havia quase vinte anos! Isso vem comprovar que, na época violar essa legislação constituía crime!!!
Mas o que determinava o antigo Código Florestal Brasileiro em vigência naquele período? Para não escrever inverdades, fui consultar o Arquivo Nacional onde se encontra o original do referido diploma.
Esse Código é a peça mais importante para a história legislativa florestal brasileira, eis que, ineditamente, uma norma jurídica prega que “as florestas existentes no território nacional constituem bem de interesse coletivo de todos os habitantes do País, impondo-se assim limitações ao direito de propriedade”.
Repito: esse Código Florestal foi editado em 1934! De forma clara, classificava “as florestas em: protetoras, remanescentes, modelo e de rendimento”.
Para o Código de 1934, “as florestas protetoras eram um esboço do precioso instituto das florestas de preservação permanente do atual Código Florestal. As florestas remanescentes, por sua vez, eram formadas por áreas denominadas unidades de conservação; as florestas modelo constituíam as florestas artificiais com limitado número de essências florestais, nativas ou exóticas. E, finalmente, as florestas de rendimento: eram aquelas não previstas entre as outras modalidades e destinadas ao uso intensivo de recursos florestais”.
O capítulo terceiro daquele decreto dispõe sobre a exploração intensiva das florestas e, novamente, atentou para a restrição do direito de propriedade, proibindo a derrubada da vegetação situada às margens dos cursos d’água, lagos e estradas públicas; a colheita de seiva que compromete a vida vegetal; o fabrico de carvão a partir de espécies de grande valor econômico; a devastação de florestas protetoras ou remanescentes, e a queimada de áreas vizinhas à vegetação arbórea de qualquer natureza.
E atentem para um detalhe ainda mais importante que transcrevo na íntegra: o artigo 23 daquele antigo decreto estabelece a proibição do abate de mais de três quartas partes da vegetação nativa existente na propriedade rural, ou seja, o atendimento deste dispositivo legal teria garantido, apenas para citar um exemplo, a preservação de uma porção significativa das florestas de araucárias (e de outras espécies) aqui no Paraná...
Aquele Código, idealizado há mais de oitenta anos, já previa com todas as letras um ECOCÍDIO, pois em seus capítulos IV, V e VI tratava da Polícia Florestal, das infrações e do procedimento das infrações, respectivamente.
Para a sua época, o Código Florestal estava perfeito, porém, a exemplo do que continua acontecendo até hoje, enfrentou o maior de todos os problemas: as deficiências nos sistemas de controle e fiscalização, em função da amplitude do território nacional e da falta de recursos materiais e humanos dos “órgãos competentes”. E sem esses recursos não há lei que resista, que sobreviva e que funcione!!! A única vitoriosa diante desse quadro incompetente é a impunidade!
Oras, alguém alguma vez viu por aqui essa tal Polícia Florestal de que se falava nos idos de 1934? Nem o Código nem a polícia que deveria fiscalizar o cumprimento da lei e aplicar as punições em casos de crimes e contravenções florestais existiam de fato em meados do século passado...
Prova incontestável de tudo isso é que as matas foram devastadas, as queimadas aconteceram em plena luz do dia, a vegetação às margens dos rios sumiu, a fabricação de carvão aconteceu livremente e a proibição do abate de mais três quartas partes da vegetação nativa não foi respeitada... por anos a fio!
Basta percorrer o município de Umuarama para ver se alguma linha do antigo Código Florestal de 1934 foi obedecida no tempo da colonização... Hoje são raríssimas as pequenas “manchas verdes” que se salvaram da fúria dos tempos da colonização.
O Código em questão foi tão bem alinhavado que serviu de inspiração para a Constituição Brasileira de 1988, que sentencia em seu artigo 225:
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. No papel, a sentença era perfeita, sábia. Na prática, um fracasso!
O Código antigo era mais breve, mais girava em torno da mesma idéia: “As florestas existentes no território nacional constituem bem de interesse coletivo de todos os habitantes do País, impondo-se assim limitações ao direito de propriedade”. Não é preciso dizer mais nada... E, pior, nem sequer adianta chorar pelas árvores derrubadas!
(ITALO FÁBIO CASCIOLA)