COMO FOI O DIA 26 DE JUNHO DE 1955?
Em raríssimas exceções, seja por razões climáticas ou econômicas, o 26 de Junho passou em branco, sem comemorações. Tradição é tradição e, por se tratar da data da fundação da nossa Umuarama, a comunidade nesse dia amanhece em festa, engalanada de cores e embalada pelas notas musicais dos shows das bandas, fanfarras e cantorias pelos quatro cantos da cidade.
Mas, a nova geração de Umuarama, esta atual que vive no futuro rodeado por mil invenções da tecnologia, vive se perguntando: Como foi o dia da fundação de Umuarama que a gente comemora mas pouco sabemos sobre o que aconteceu nessa data?
NASCIA UMA CIDADE PARA O FUTURO!
Então, como foi aquele distante 26 de junho que celebramos mais de meio século depois? O que realmente aconteceu no decorrer daquelas 24 horas? Não há registros nem mesmo nos órgãos oficiais e nem nos acervos da colonizadora, que há muitos anos fechou seu escritório de administração.
Para preencher essa lacuna histórica, me pus a revirar meu baú de cadernos de anotações, onde estão documentadas as antigas entrevistas-depoimentos de velhos pioneiros que viveram aquela época, autênticas testemunhas oculares de fatos e aventuras memoráveis, que deixo lavradas para a posteridade.
Gente de coragem e valor que já não está mais entre nós. Eles me contaram detalhes do dia da fundação. E são estas memórias que perpetuam a passagem daqueles desbravadores, são estes escritos que ficam como marcas que resistirão ao tempo e sempre serão revistas pelos leitores que irão passear pelos textos e imagens destas páginas que misturam saudade com história.
Como num divertido quebra-cabeças, fui juntando peça por peça, alinhavei detalhe por detalhe, frases curiosas e épicas de um e de outro. Adicionei como tempero aos relatos, fotos raríssimas e ainda inéditas, que comprovam os acontecimentos vividos por aqueles heróis dos tempos idos da abertura deste território.
Pronto, depois de tanto garimpar aqui, ali e acolá, acabei reconstituindo um roteiro preciso do primeiro dia da cidade, interessante e ilustrativo, após ser batizada oficialmente de “Umuarama”, pois o processo de sua abertura e construção na verdade começou pelo menos dois anos antes, quando isso tudo ainda era a Gleba Cruzeiro.
Como ponto de partida deste relato (um ‘diário de bordo’ diria), friso que aquele 26 de junho de 1955 era um domingo. Mas daqueles antigos domingos de inverno, gelado mesmo. Não chegou a gear, mas uma brisa polar fazia até os ossos doerem.
Exatamente às 6 horas manhã, na ponta da pista do aeroporto recém-aberto no meio de um imenso tapete de mata verde e virgem, foi erguido um mastro improvisado, usando um tronco fino e alto de um coqueiro (ainda com as folhas no topo) cortado na mata, enfeitado com bandeirolas coloridas, que pareciam adereços de festa junina. E nele, foi hasteada a bandeira brasileira.
Os poucos presentes à remota cerimônia de inauguração, todos dirigentes da colonizadora que haviam acabado de chegar naqueles pequenos “teco-tecos”, entoaram o Hino Nacional. Nem discurso houve, tão violento era o frio agravado pelo vento que assobiava pela pista do aeroporto.
Alguns minutinhos depois, diretores da colonizadora rodearam uma placa, cravada ao lado da pista de terra do aeroporto, que haviam trazido já pronta e pintada com o nome do lugar que estavam batizando: “Umuarama”.
Rápidos, deram por inaugurado aquele simples marco histórico. Apressada, a caravana seguiu para o “centro da cidade”, na verdade um amontoado de casinhas que dava para contar nos dedos das mãos. Uns foram em jipinhos da colonizadora, outros amontoados em caminhões “paus-de-arara”, ou em pequenas carroças. E quem tinha cavalos, foi a galope por uma estradinha meio esburacada e tortuosa que levavam até a próxima “cerimônia” inaugural.
Na verdade, essa parada era o barracão da Companhia Melhoramentos, onde a colonizadora destas terras amontoava ferramentas, material topográfico e outras traquitanas de serviços, que anos mais tarde virou “Prefeitura”, “gentilmente emprestada” quando Umuarama se tornou município e nem sequer oferecia espaço suficiente para funcionar o Poder Executivo.
Nesse cenário rústico e improvisado foi celebrada a fundação de Umuarama. Além dos ‘manda-chuvas’ da colonizadora, estavam comerciantes, uns poucos fazendeiros e sitiantes, populares e aqueles curiosos de sempre que nem sabiam o que estava acontecendo, mas lá estavam fazendo número na platéia.
Ali teve um curto e emocionado discurso sim, proferido pelo notável empreendedor da época Hermann Moraes de Barros, comandante da Cia Melhoramentos. Ato seguinte, todos foram convidados a assinar a ata de fundação. O tempo passava rápido. O grupo, em seguida, a passos largos caminhou um pouco mais de uma centena de metros, no meio do poeirão que o ventinho levantava, até chegar onde havia mais outro aglomerado de gente.
Num descampado, o frei Estevão Maria esperava com paciência para celebrar a primeira missa, que ocorreu naquele chão acidentado, há poucos dias aplainado por uma motoniveladora da colonizadora (hoje o quarteirão da Igreja Matriz).
Na falta de um altar, uma mesa rústica coberta de um manto branco. No lugar, fez um mutirão de voluntários para erguer um pesado cruzeiro de madeira, que durante décadas ali permaneceu lembrando aquele acontecimento histórico.
Um simbolismo com toques de forte emoção e fé. Por mais simples, marcava o início da história de uma nova cidade e a presença da Igreja Católica, rememorando a missa que celebrou o descobrimento do Brasil. Fim da cerimônia religiosa.
O grupo, que já era bem mais numeroso que aquele que veio do aeroporto, pois havia se somado aos desbravadores que estavam na “cidade”, iniciou uma caminhada de alguns quilômetros de volta ao ponto de partida do memorável dia.
CHURRASCADA NO MEIO DA SELVA...
De regresso ao tosco aeroporto, a poucos passos, no meio da mata - onde já existiam a Colônia e a Pensão Mineira -, aconteceu uma churrascada confraternizando todos os que participaram daquelas horas de jornada que estamos recordando agora, exatamente sessenta e sete anos depois.
Com tábuas foram feitas mesas e bancos na Serraria Mineira, instalada ali pertinho. O cenário era realmente incrível e inimaginável nos dias atuais: à sombra daquelas frondosas e centenárias árvores da mata, centenas de ‘colonos’, a maioria homens, comeram deliciosas e exóticas carnes de animais selvagens, caçados no dia anterior.
Estavam esfomeados, afinal, haviam passado a manhã inteira caminhando e sentindo frio. Beberam cachaça em escala industrial. E, pasmem, até dançaram por entre os troncos das árvores, embalados por uma ‘orquestra’ de músicos trazidos de fora pela diretoria da colonizadora.
A maior parte do repertório era de músicas de Minas Gerais, para atender o romântico gosto da maioria dos ‘convidados’. Músicas caipiras, boleros e tangos, hoje quase todas esquecidas, fizeram a alegria dos festeiros naquela tarde histórica.
O ‘baile na floresta’ foi acabar no início da noite, quando o frio voltou, cruel e ainda mais terrível do que na madrugada anterior. O manto negro da noite abraçou aquele lugar.
Algumas fogueiras, nas pontas da pista do aeroporto e próximas aos acampamentos, à pensão e à serraria, foram acesas, para espantar onças e outros bichos noturnos que saíam para vagar e caçar alimentos para o seu sustento.
Um silêncio cavernoso, entrecortado pelos pios de corujas e de um coral de sapos que habitava um brejo nas cercanias. E o céu, com todo o seu esplendor de azul pontilhado de cintilantes estrelas, mandando avisar que a madrugada seria congelante.
Fecharam-se as cortinas do memorável 26 de junho de 1955. Quem dormia, nem sonhava que aquela data seria cantada em verso e prosa pelas gerações sucessoras. Esses desbravadores, sim, fizeram História. Nasceram predestinados a fecundar uma cidade, dom e sorte que pouquíssimos mortais têm o privilégio de ter. (ITALO FÁBIO CASCIOLA)
A fundação oficial da nova cidade teve início com uma solenidade no aeroporto, com uma pista tosca de terra e rodeado pela mata virgem...
Missa de fundação de Umuarama, celebrada a céu aberto, na quadra de terras onde hoje está a Igreja Matriz.
Uma churrascada com carnes de ‘bichos do mato’ reunindo os primeiros moradores seguida de animadíssima festa aconteceu no meio da mata...
Durante a tarde inteira a festa continuou, com muita música e os casais dos precursores dançando felizes no meio da selva.