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NA TRILHA DA HISTÓRIA
Quando chovia, o “Baixadão” virava uma imensa lagoa de lama
E nos dias de calor, carros encalhavam na areia...
Publicado em 14/06/2022 às 15:20 Ítalo
Quando chovia, o “Baixadão” virava uma imensa lagoa de lama

Nestes novos tempos, quem passeia de carro ou a pé pela Avenida Paraná, no trecho entre a Rua Ney Braga e a Praça Santos Dumont no em direção à Praça Arthur Thomas, aprecia o movimento nervoso e indisciplinado do trânsito, da efervescência do comércio e das agências bancárias. Mas tem calçadas e asfalto para caminhar livre em todos os sentidos...

O cidadão de hoje nem imagina que no passado, lá pelos idos de 1954 até final da década de 60, esse lugar era aquilo que se pode chamar de ‘fim do mundo’ de tão feio.

Mais parecia uma acidentada pista de MotoCross do que uma avenida de cidade. Além de difícil de percorrer, tanto a pé como de jipão ou carroça, exalava um forte odor de algo podre no ar... É verdade, era realmente um cenário desolador, pestilento mesmo, seja em tempos de calor como em épocas de chuvas e frio.

Esse pedaço de chão, até porque nem habitado estava nos primeiros anos, logo foi sendo chamado de “Baixadão” pelos mais antigos. Mesmo sendo a outra extremidade da artéria principal do traçado urbano criado pela colonizadora, o trecho estava relegado em segundo plano se comparado com o primeiro “centro nervoso” de Umuarama, a área localizada ao redor do primeiro ponto de ônibus, atual Praça Arthur Thomas.

Mas para o então famigerado “Baixadão”, os mais esperançosos e crentes no desenvolvimento da cidade, previam que pouco a pouco iria se transformar numa região valorizada para onde afluiriam os comerciantes que continuavam a chegar apostando na expansão da cafeicultura. E isso realmente aconteceu, embora tenha demorado um bom período...

Mas, o epicentro desta crônica são as diversas fases pelas quais atravessou esse quarteirão de nossa avenida principal, que foi melhorando pouco a pouco com o correr dos anos. Em princípio, ali existiam matagais em suas margens, parecendo um estradão no meio de um descampado abandonado, do qual emergia um tal ‘redondo de árvores’, ou “Praça das Perobas” (atual Santos Dumont).

Depois, conforme a colonizadora foi vendendo lotes urbanos na área, foram surgindo construções comerciais, estas já erguidas com tijolos e cimento, ou seja, mais resistentes que as antigas feitas de madeira de peroba. Pasmem! Os preços dos terrenos eram baratos mesmo, e parcelados “a longo prazo”, pois de começo o local não atraía muito o interesse dos compradores (Hoje, não tem preço!!!).

O diferencial desses prédios, geralmente de quatro a seis portas, era que os pedreiros tinham que fazer muretas na entrada do estabelecimento, encarecendo a obra. Um tipo de comporta nas portas... senão água entrava. Como não havia asfalto e muito menos calçadas, quando chovia aquele “Baixadão” virava uma imensa lagoa de água suja e barro. E, mesmo assim, quando as chuvas eram pesadas demais e o volume de água extrapolava, as lojas eram invadidas, dando um trabalhão para a limpeza dos imóveis (os mais precavidos, deixavam as mercadorias em cima de balcões e prateleiras, evitando prejuízos). De noite, até sapos passeavam coaxando por ali sob a lua cheia...

Ali desembocava toda a enxurrada das chuvas que vinha lá do alto da Praça Arthur Thomas. A velocidade das águas rasgava o arenito caiuá, formando imensas crateras na descida da avenida. E com ela vinham aquelas montanhas de lixo que se espalhava ao longo da via. Isso incluía dejetos animais, uma vez que existiam diversos pontos de carroças em cada esquina, que usavam cavalos e burros.

Fatalmente, tudo isso se acumulava cá em baixo... Para se ter uma idéia do caos que se estabelecia a cada chuvarada, basta recordar que, primeiro, era preciso esperar uns dois dias para aquele barro secar um pouco, para ser retirado do local.

Mas, muitos dejetos, corroídos pelas águas, desciam pelos poros do areal. Resultado: o forte mau cheiro, com o calor, transformava a área num lugar asfixiante, nauseante. Era realmente um Deus nos acuda! O outro grande problema, por causa da falta do asfalto - algo impensável naquele período da colonização -, era o atoleiro terrível que surgia após os temporais. Poucos se salvavam do drama de encalhar até a alma. Não é surpreendente que naquele tempo quem tinha um caminhão-guincho faturava alto para socorrer as vítimas. Era um negócio da China... Quem andava a pé, então, emporcalhava as botinas e as canelas. Não é à toa que os farmacêuticos da época diziam que as micoses nos pés eram comuns e quase todo mundo pegava essa coceira danada, que para complicar ainda mais estava associada ao desagradável chulé...

No verão causticante, a situação se invertia. A passagem constante de jipes (jeeps), carroças e caminhões, com seus pneus criavam ‘facões de areia’, onde os motoristas mais inexperientes fatalmente atolavam depois de patinar muito até soltar fumaça pelo motor e pneus... E ninguém escapava da poeira, que passeava de cima abaixo da avenida ao sabor dos ventos, sujando tudo e todos que encontrava pela frente.

Era de praxe os comerciantes apressados fecharem as portas quando isso ocorria, senão suas mercadorias ficavam completamente cobertas pelos grãos de areia fina.

Como no passado era costume pendurar confecções e outros artigos na frente das lojas para atrair a clientela, era um corre-corre danado para tirá-las de uma hora para outra. “Lá vem areia!!!”, gritavam as vendedoras, apavoradas para esconder as roupas antes que o vento-poeira levasse tudo...

Também incomodava muito aquele cheiro forte de poeira, coitado de quem fosse alérgico! Parece incrível, mas até os telhados ficavam parcialmente cobertos de areia...

Pode parecer divertido ler esses relatos, mas as situações pelas quais os umuaramenses passaram naqueles momentos, e ao longo de muitos anos depois, eram dignas de choro e de súplicas desesperadas para a cidade um dia ganhar o asfalto (‘pavimento’, se dizia) que parecia não chegar nunca.

Mas, naquele “Baixadão” também aconteceram fatos agradáveis, interessantes e que marcaram época. Nem tudo foi penúria. Mas, aí já é outra história para uma nova crônica. (ITALO FÁBIO CASCIOLA)

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