COMUNICAÇÃO SOCIAL
Velha imprensa, a mãe das fake news
Apavorados com a cada vez mais crescente preferência da população em ler notícias através da internet, especialmente nas redes sociais, os veículos da velha mídia apelam para disseminar que a web está tomada por fake news, traduzindo, notícias falsas.
Mas essa tentativa não pegou porque o leitorado culto sabe escolher a leitura que merece crédito. E a audiência dos portais e sites cresce cada vez mais, afinal, quem gosta de viver bem informado deseja se atualizar em tempo real, saber dos fatos o quanto antes. É só o jornalismo online tem esse poder.
Os velhos jornais impressos só chegam um dia depois que as notícias já percorreram a internet. E, inclusive, observa-se que os jornais copiam notícias da internet, além de viverem das “notícias prontas” produzidas pelas assessorias de imprensa dos políticos no dia anterior. Definindo, estão sempre atrasados...
E mais: na web os jornalistas e colunistas trabalham com independência, sem patrão! E os internautas, por sua vez, tem a liberdade de escolher os autores de reportagens e colunas de sua preferência, que têm prestígio, são apolíticos e sem interesses comerciais. Basta um click!
Mas o foco deste texto são as fake news, as notícias falsas que a mídia tradicional insiste em dizer que são criação da internet.
Para mostrar que a realidade é inversa, garimpamos uma entrevista publicada pela renomada revista CartaCapital com Gabriel Priolli, diretor de tevê e estudioso dos meios de comunicação, que mostra que o fenômeno precede a invenção da internet. “Notícias falsas são tão antigas quanto a própria imprensa”, frisa ele.
Segundo Priolli, a mídia tradicional tenta jogar a culpa nas redes sociais no debate sobre as falsas notícias e defende a imposição de regras à atuação dos gigantes de tecnologia que consideraria “censura” se aplicadas contra ela. O papel da internet não deve, porém, ser menosprezado. Os indivíduos, diz, não são mais expostos ao contraditório, mas a bolhas de certezas monolíticas.
Vale conferir com atenção a íntegra da entrevista de Gabriel Priolli, formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP/SP) e ex-editor do Jornal Nacional/Rede Globo, concedida a uma das mais importantes revistas brasileiras:
CARTACAPITAL: As fake news são uma invenção das redes sociais?
GABRIEL PRIOLLI: Notícias falsas são tão antigas quanto a própria imprensa, que as publica por equívoco ou mesmo intencionalmente, por algum interesse extra-jornalístico. Não há dúvida de que a internet, em particular as redes sociais, elevou o problema à enésima potência, na medida em que a sua lógica de monetização dos conteúdos publicados se dá pelo volume de "cliques", o que levou à criação de sites ou perfis dedicados exclusivamente a mentir ou distorcer informações. Mas se a questão é a paternidade das fake news, ou no mínimo a antecedência, a mídia tradicional está centenas de anos à frente da internet.
CC: É possível combater as fake news de uma maneira mais efetiva ou trata-se de um fenômeno com o qual teremos de conviver de agora em diante, uma parte da formação e interpretação da "realidade"?
GP: Há algumas iniciativas em curso, mundo afora, para combater a proliferação de notícias falsas. Os gigantes digitais, como o Google, o Facebook e o Twitter, investem na checagem dos conteúdos publicados e alteram em parte os seus famosos "algoritmos". A ideia é que o público seja exposto a um conjunto mais variado de informações sobre os temas compartilhados na internet e tenha chance de discernir entre o que é verdade e mentira. O mais irônico nesse tema do combate às fake news é que a grande mídia privada, mundial e brasileira, cobra regulamentação dura das empresas de tecnologia, que ela entende como empresas de mídia. Quer acabar com o monopólio do Google e do Facebook. Ou seja: se a regulação da mídia envolver os "jornalões" e as tevês privadas, é censura. Mas se afetar apenas seus maiores concorrentes, deve ser adotada.
CC: Vários levantamentos mostram que, em geral, os assuntos mais acessados e compartilhados nas redes sociais são fake news. O que explica esse comportamento?
GP: Muitas explicações são tentadas para o fenômeno e ainda aguardam uma síntese. Segundo Robert Proctor, historiador da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, haveria até uma disciplina científica dedicada a ele, a Agnatologia, o estudo da ignorância intencional. O entendimento mais geral é de que as instituições que se encarregavam de formar consensos na sociedade, como escolas, ciência, justiça e mídia, foram abaladas pelas novas dinâmicas sociais da era digital e enfrentam uma desconfiança crescente. De outro lado, os algoritmos da internet não expõem mais os indivíduos ao contraditório, soterrando-as em versões sempre coincidentes dos fatos. Tudo isso, somado, produz incerteza e angústia no cidadão comum, que o levariam a se aferrar às convicções mais arraigadas, em busca de chão firme para pisar nesse mundo cada vez mais "líquido".
PUBLICADO EM CARTACAPITAL:
https://www.cartacapital.com.br/blogs/midiatico/midia-tradicional-a-mae-das-fake-news