UMUARAMA 63 ANOS
“Esta cidade nasceu para ser feliz!”
Raimundo Durães, como frisei em muitas reportagens, era uma lenda! Para quem desejava obter informações precisas e autênticas sobre a História de Umuarama, ninguém melhor do que um personagem que foi o centro no início dessa própria História. E, tornar realizada este encontro tão esperado é realmente marcante para um repórter.
Conforme fomos conversando, confirmei o que os antigões me diziam antes: “Raimundinho” realmente tinha uma eloqüência cativante, divertida, era daqueles tipos inesquecíveis que quanto mais fala, mais a gente tem vontade de ouvir...
Seu conhecimento sobre o passado do Paraná era incrível, parecia inesgotável e comprovava que havia mesmo vivido cada momento histórico do desbravamento da mata de quase metade do Estado.
Observem bem: estou afirmando desbravamento, ou seja, uma fase antes do pioneirismo. Uma época em que chegam aqueles que abrem um território para que, depois, outros iniciem a construção de uma cidade, estes, no caso, os pioneiros.
“Conheço este Paranazão como conheço as linhas das minhas mãos”, começou a dizer, emendando que “já percorri estas terras passo a passo, a pé e a cavalo, de jipe ou de caminhão. Andei por essas trilhas, picadões e vi abrirem essas estradas cortando as matas aqui de Umuarama, Maringá, Londrina... Na época havia índios, onças e todo tipo de perigos assombrando a gente de dia e de noite por este matão afora”.
Detalhista, preferiu me contar como era Umuarama antes de ser fundada a cidade. Mas, para ser ainda mais fiel em seu relato, me convidou para um passeio pelo centro da cidade.
Descemos até a Praça Arthur Thomaz e, a partir daí, creio, devemos ter parado umas cinqüenta vezes até chegar à Praça Santos Dumont. Em cada pausa, “Raimundinho” apontava direções acima das casas de comércio: “Lá adiante, foi onde instalamos a Colônia Mineira, em homenagem à minha terra natal. Ali ficava a pensão do meu amigo Durval Seifert, onde sempre havia uma pinguinha de alambique mineira e uma deliciosa comida caseira. Um pouco para cá, estava a serraria, onde começaram a ser beneficiadas as madeiras para construir casas e armazéns. E do outro lado, estava o aeroporto, onde descíamos de ‘teco-tecos’ (pequenos aviões) trazendo remédios e equipamentos de topografia!”.
Ele falava tranqüilo, bem ao estilo mineiro, eu anotava tudo para, depois, não esquecer nenhum detalhe. Seguiu contando: “Para chegar ali naquele mato (o Bosque do Índio) foi aberta uma picada, por onde passavam os operários que vinham derrubar mato aqui, abrindo o terreno onde depois começou a construção da cidade. Aquele baixadão era um inferno, cheio de nuvens de pernilongos que devoravam a gente. Era de chorar e a gente vivia apavorado e com medo de pegar uma malária. Outro perigo era ser picado por cobra ou aranha. Muita gente foi vítima desses bichos e teve que ser levada para Maringá ou Londrina. Como não havia estradas, o risco era morrer pelas trilhas até chegar a um hospital lá!”.
Com um olhar de profunda saudade, o desbravador apontou para a Praça Santos Dumont: “Daqui pra lá era tudo mato fechado, só havia um caminho que seguia para Xambrê. Depois, quando foi aumentando o número de trabalhadores contratados para começar a construção da cidade, é que formaram uma zona de meretrício no meio da mata. Era um amontoado de casas de tábuas, com bares e salões de baile, cheios de mulheres trazidas de Londrina e de outros lugares do Brasil. À noite, a zona fervia, o barulho da música era ouvido de longe no meio da mata”.
Durães muda de direção e aponta lá pelos lados da Rua Arapongas: “Ali havia um caminho que ia para a Serra dos Dourados, onde havia a tribo de índios (os Xetá). E por aquele outro lado (em direção ao atual Clube Português) era a entrada principal de Umuarama. No começo era um picadão, por onde passaria a linha de trem vinda de Maringá. Depois a Cia. Melhoramentos fez a terraplenagem e virou uma estrada melhor para viajar, que ficou pronta só no final de 1954. Mesmo assim era um sacrifício vir de Maringá aqui, principalmente quando chovia, até mesmo para os poucos que naquele tempo tinham jipes era terrível dirigir. Às vezes levavam mais de um dia para chegar de lá até aqui. Não gosto nem de lembrar de tantas dificuldades que passamos. Hoje (1975), a viagem é uma beleza, é tudo asfalto”. Nessa parte da narrativa, ele deu uma sonora gargalhada.
Olhando para as construções e para os espaços ocupados nesse dia de sua volta a Umuarama (26 de junho de 1975, friso), Raimundo Durães não escondeu sua admiração pelo cenário que deslumbrava: “Lembrando daqueles dias em que estávamos abrindo estas terras, hoje não acredito com tanta gente e esse centro bonito que Umuarama tem. Valeu a pena, valeu mesmo a pena de ter lutado cada minuto, trabalhando de sol a sol, para criar esta cidade”.
E, naquele instante, produziu uma frase lapidar: “Filho, você nem imagina como é a alegria de abrir uma cidade e, vinte anos depois, vê-la tão grande e bonita. É como ver nascer uma filha e depois ir ao seu casamento! Creio que não existe alegria maior do que essa”.
Senti que o valente mineiro, que havia enfrentado todas as intempéries e vencido as maiores aventuras, mostrava a sua sensibilidade e fez um esforço descomunal para não derramar lágrimas ali no meio da rua.
Segundos depois, Durães me olhou e soltou outra gargalhada: “Esta cidade nasceu para ser feliz como eu estou neste momento!”. Não resisti e rimos juntos, rimos muito.
Já pensaram o que o “Raimundinho” diria hoje ao ver como a sua Umuarama se agigantou e... não pára de crescer a cada dia que passa. Até nós ficamos deslumbrados, pois de um dia para outro os cenários da geografia urbana vão mudando diante de tanto desenvolvimento em todas as direções. Sua previsão está concretizada: Umuarama nasceu mesmo para ser feliz, como vaticinou seu fundador.
Mas a nossa prosa mineira com Raimundo Durães sobre a criação de Umuarama vai continuar aqui no Portal Coluna ITALO! Quem escreve a História, faz parte da História! (ITALO FÁBIO CASCIOLA)
O debravador Raimundo Durães previu o futuro: “Esta cidade nasceu para ser feliz!”.