Em Umuarama as noites eram tranquilas, seguras e felizes. Essa vida não existe mais...
É de arrepiar a alma quando a gente navega pela internet e saltam da tela aos nossos olhos as notícias policiais. São casos de todo tipo, um mais horripilante que o outro. Impossível não viver assustado numa bolha de violência como essa em que habitamos hoje.
E essa situação é global, não se resume a geografia urbana de Umuarama... De norte a sul do planeta jorra sangue, o ser humano mostra que de humano não tem nada. A saúde mental dos animais, aqueles considerados ferozes, é muito mais digna de confiança de que a dos criminosos que promovem selvagerias por todos os cantos.
Depois de ver esse noticiário de terror, tento aliviar meus pensamentos recordando como este território, nos tempos da fundação e colonização da Capital da Amizade e da minha infância e adolescência, era um paraíso no sentido completo dessa palavra.
Num piscar de olhos volto ao fim da década de 1950 – cheguei aqui em 58 – e percorro um labirinto de lembranças seguindo pelos anos 60... Vou me resumir apenas como eram as noites e madrugadas da cidade rodeada de pura selva, quando ainda não havia eletricidade, portanto, as ruas não tinham iluminação pública e nem asfalto... A gente vivia literalmente no meio das trevas, a gratidão era imensa quando surgia a lua cheia cobrindo de luz aquela Umuarama que existia aqui no fim do mundo, bem distante dos grandes centros.
Estávamos looonge da civilização, do conforto, da modernidade... Hoje estou escrevendo esta crônica através da maior maravilha da comunicação já inventada, a informática-internet. E, por incrível que pareça, o meu assunto é o passado quando nem imaginávamos como seria este futuro que estou vivendo agora. O único meio de se comunicar era com a fala e o olho no olho – ou através de cartinhas, que demoravam meses para ser respondidas... Estávamos perdidos no fundo do nada, num precipício de dificuldades por todos os lados.
UM PARADOXO MUITO LOUCO-LOUCO...
Pois a esta altura deste texto acordo para a realidade de que estou respirando ares de absoluto contrassenso, um paradoxo muito louco-louco, doideira total...
Numa mão coloco a insegurança completa em que vivemos atualmente e, na outra, a época mais moderna que estou vivendo em minha vida, quase 70 anos vendo o mundo rodando veloz em pleno futuro.
Se vivemos nesta incrível modernidade, como que vivemos numa órbita de medo? Ué, tudo progrediu... menos o sistema de segurança pública que não consegue garantir a nossa paz dentro do lar, no trabalho, nas vias públicas, nas escolas, enfim, vivemos correndo assombrados pelo mal em plena luz do dia em todos os lados da cidade... Imaginem as cenas noturnas, então... Os próprios índices de criminalidade divulgados pela imprensa comprovam essa realidade absurda.
SOU DO TEMPO EM QUE DORMÍAMOS DE JANELAS ABERTAS...
Sabedor de que muitos não vão acreditar no que vou escrever, mesmo assim me arrisco em contar como era a alegria de viver livre e invulnerável antigamente.
A começar pelas próprias casas, construídas de madeira, frágeis se comparadas com as de concreto de hoje. As portas e as janelas eram fechadas por dentro por ‘tramelas’, barrinhas de madeira que giravam num prego. Não aguentavam nem um pontapé... Como ‘proteção’ – se assim posso chamar – tinham cercas também de madeira de no máximo 1,20 metro.
Nas noites quentes de verão, era costume dormir com as janelas abertas sem correr risco de ser assaltado. Para ser franco, a única bandidagem que existia eram os ‘ladrões de varal’, aqueles pilantras que invadiam os quintais para roubar roupas recém-lavadas. As donas-de-casa surtavam de raiva...
E nas fazendas a insegurança era com relação as quadrilhas que roubavam café armazenado em galpões após a colheita, que depois seria vendido para o IBC. Quando ninguém reagia por medo, levavam caminhões cheios de sacos de ‘ouro verde’. Mas havia fazendeiros que tinham seus capangas armados e quando apareciam as quadrilhas o chumbo grosso pipocava...
RUAS VAZIAS, PASSARELAS DA MÚSICA
Naqueles bons tempos o povo amanhecia nos botecos e nas madrugadas. Todo mundo feliz, alguns com garrafas cheias na mão para seguir bebendo pela noite afora, ficavam perambulando pelas ruas desertas e escuras – não havia iluminação pública, repito. Os mais inspirados cantavam... Mas a melhor lembrança que tenho das noitadas na antiga Capital da Amizade é das serenatas, afinal estávamos vivendo nos Anos 60 e era moda a Jovem Guarda, Roberto Carlos roqueiro, Elvis e Beatles.
Esses ídolos motivavam a moçada a formar grupos para bater pernas na noite promovendo as divertidas serenatas.
Como o próprio nome já diz, elas aconteciam no sereno das madrugadas e consistiam em visitar namoradas e amigos, especialmente no dia de seus aniversários.
Os animados cantores do sereno, com a cabeça cheia de alegria e cerveja, saíam percorrendo as ruas – ainda de terra, sem asfalto – rumo as residências dos homenageados. Tudo bem organizadinho, paravam em frente a uma janela da frente da moradia e a festa começava...
Cantando em voz alta os rocks de sucesso, ritmados por violões, a madrugada feliz estava garantida. Os moradores, mesmo de pijamas e gorros de lã, abriam a porta e convidavam todos a entrar. Os anfitriões já iam abrindo cervejas, vinhos e até cachaça para comemorar a visita dos ‘artistas da madrugada’.
Com um festão assim, era impossível os vizinhos não acordarem... E todo mundo rumava para a festa. E, detalhe, também levavam bebidas. Depois de horas de seresta super animada, o sol raiando quente lá fora decretava o fim da festa de arromba.
Despedidas emocionadas, cabeça cheia de cachaça e ressaca chegando, os alegres seresteiros iniciavam o percurso de volta as suas casas. Trabalhar depois dessa festança estava fora de cogitação... E, para fechar as cortinas e encerrar este texto, registro que não acontecia nenhum tipo de bronca na cidade naquelas noites...
São tantas recordações que me alegram, pois fiz parte de uma vida que não existe mais, quando em Umuarama as noites eram tranquilas, seguras e felizes... Gratidão imensa, pois confesso que vivi!!! (ITALO FÁBIO CASCIOLA)